sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sarah

Construir ou destruir? Não sei. Ambos os conceitos me agradam mas, ultimamente, andam a assombrar-me. Não cheguei a conclusão definitiva mas vou desafiar-me e colocar, por escrito, o que é apenas estudo e pesquisa. Assim, pode ser que a forma como o meu corpo segura estes conceitos se torne mais clara e, pode até ser, que eu passe para outras dúvidas e largue esta que já anda a assumir um carácter obsessivo. Porém, sei da minha necessidade em mergulhar por inteiro nas minhas pesquisas e só sair para respirar quando elas andam perto do esclarecimento. Com o compromisso de escrever no blog vou alterar o método que tenho utilizado até hoje, o que não deixa de ser interessante, mas também é novo e o que é novo é assustador (apenas para alguns, eu sei).
Vou começar por aqui mesmo - pela necessidade do que é novo. Aqueles que não receiam o novo e procuram-no avidamente ou, parece que o novo vem habitualmente ao seu encontro, e avançam sem impedimentos. O corpo aberto. O corpo que se lança e não conhece timidez, dúvida ou vergonha. O corpo que depois de sentir o novo continua a avançar e não permanece. Que vontade há num corpo que avança num movimento contínuo, que pára por instantes mas que, ao primeiro gatilho, recomeça a marcha (ou corrida)? Esse é o corpo que destrói. O corpo destruído? Se esse corpo parasse aguentaria o impacto de "estar" ou rebentavam convulsões pelo corpo afora? O corpo descontrolado. Eventualmente essas convulsões teriam um fim, se o corpo se permitisse ficar nelas.
Há o corpo que constrói. Há corpos verdadeiramente sólidos e estáveis. Olhados de qualquer ângulo vemos o lugar dos pés e da cabeça, as extremidades. Pés que não receiam pisar o chão e cabeça que, naturalmente, procura o céu. Corpos visíveis. Quando olho para esses corpos sinto que essa pessoa se conhece, sabe quem é, conhece o caminho para casa. Construção. Nessas pessoas os seus corpos são como casas. São corpos habitados. 
A arquitectura de um corpo que se permite estar vivo. Deve haver necessidade de construir bem como de destruir, mas talvez seja interessante que as duas coabitem no corpo. O que saber deitar abaixo e quando? É para deixar cair? É para deixar que isso habite a minha coxa, o meu joelho ou o meu estômago? Tenho brincado com Legos para observar quais são os meus impulsos: deitar abaixo (quando? - naquele momento, depois de amanhã ou ai! não consigo porque custa-me que isto deixe de existir); construir (com que tipo de neurose? agrupo por cores?); planifico e depois construo; não planifico e permito-me construir e modificar ao longo do tempo de construção.
Acho que cada vez sei menos mas sinto que a cada dia conheço mais de mim. Faz sentido?


domingo, 14 de novembro de 2010

Eva

Soube ontem que sou uma mulher com raiva. Bem, já sabia mas não sabia que os outros sabiam. Quer dizer, tive a confirmação ontem. Ou melhor, tive certeza que os outros sabiam. Uma colega disse-me que eu sou bruta sem que isso viesse a propósito na conversa. Ou seja, ela não me disse "estás a ser bruta", disse-me "és bruta". Habitualmente não teria reagido porque sei que sou bruta, mas ontem aquele "bruta" carregava coisas, tinha conteúdos imastigáveis, representava partes de mim com as quais talvez eu não lide bem. E ela continuou "Tenho medo de ti. É que tu não és doce...sei lá, metes medo!" Doce... Eu sei que sou bruta, mas acho que também sou doce e que tenho momentos em que mostro a minha raiva, como tenho momentos em que mostro a minha doçura. Aparentemente a minha raiva é muita e a minha doçura está em falta. Pensei, senti, perguntei, senti, pensei e juntei peças.
No dia anterior tinha ido fazer uma massagem shiatsu. Achei-me tensa, com o tórax contraído, autómata, fria, congelada e pensei que uma massagem ou duas tratariam do assunto. Não...ou sim, mas primeiro não. Eu explico. Fisicamente relaxei mas mentalmente parecia uma pedra. Senti-me morta mas nos momentos imediatamente antes de atingir o rigor mortis. Antes do corpo ser uma grande e eterna contracção. No final a massagista comentou "A Eva tem muita flexibilidade mas também tem muita raiva. Tem raiva de quê Eva?" Naquele momento juro-vos que a única coisa que me ocorreu dizer foi "De si!", mas não disse. Segurei a minha raiva, percebi que a senhora não tinha nada a ver com a minha raiva mas também senti que a minha raiva estava a ser maltratada, difamada como se falassem de um filho ranhoso e mal educado. Apeteceu-me dizer "Olhe lá, a minha raiva não é práqui chamada!"
Como teria sido diferente se alguém me tivesse dito "Parabéns! A senhora tem raiva, nunca vi tanta raiva junta no mesmo sítio. Que maravilha! Queria tanto ter essa raiva toda mas é só para aqueles seres especiais, os dotados, os hábeis, os gurus." Mas não! Socialmente a raiva não tem esse papel. A raiva é para esconder, bem escondidinha, atrás dos músculos, dentro das articulações,  no fundo do coração. Shhhhhhhhhhh não falem nela senão ela engole-vos e Ai!! é peganhenta, é infecciosa, é contagiosa. Eu tenho medo de si porque a senhora tem raiva. Pode comer-me, fritar-me e servir-me ao jantar.
Lembrei-me também que não posso usar a palavra "odeio" perto do meu namorado. Reparei que a uso várias vezes. Agora sinto-me culpada cada vez que uso a palavra "odeio" e mais, odeio-me por usar a palavra "odeio". Ele acha que atraio bad vibes cada vez que digo "odeio" e eu odeio que ele ache isso porque considero-me uma pessoa pior por odiar. Mas há verdadeiramente coisas e pessoas que, naquele momento em que uso a palavra, odeio. Por exemplo, odeio o meu namorado quando ele me abre os olhos em sinal de reprimenda e diz "Eva não uses essa palavra por favor..." "Qual palavra?" "Essa que acabaste de usar, essa." "Mas qual, diz lá, não estou a ver...??" Mentira, eu sei bem que disse "odeio não sei que mais", mas queria tanto que ele se libertasse e dissesse "Odeio-te por dizeres que odeias!" Que liberdade!!! Será que alguém é verdadeiramente livre se não puder usar todo o vocabulário que está à sua disposição?? As palavras são para serem usadas, bem como as emoções!!! É como se me quisessem arrancar uma perna e, mutilada, fico frenética, apetece-me abrir a janela do carro e gritar em plenos pulmões "ODEIO-VOS E NEM VOS CONHEÇO". Sim, tu aí! A ti também! 
Odeio hipocrisia, odeio supersticiosos, odeio praias poluídas, odeio praias com muita gente (odeio mais se levarem os cães com eles), odeio não ter dinheiro na conta, Ah! e há momentos em que odeio gatos. Passo a explicar. Antes de sair da suposta massagem relaxante a senhora perguntou-me "Tem animais? Gatos?" "Não, mas porquê? Devia ter?" "Bem, era uma forma de abrir o coração, cuidar de alguém, acarinhar...é só uma ideia". A minha raiva piorou e nesse momento achei-me a pior criatura do mundo. Odeio gatos (não é uma coisa definitiva e constante mas não é um bicho por quem sinta amor incondicional, nunca foi) e porque é que alguém que, supostamente, quer o meu bem, me quer ver com um gato??
Estou confusa. Serei absurdamente anormal por ter momentos em que sinto raiva? Li um e-mail que dizia que o Khrisnamurti morreu com um cancro no fígado. Maus fígados não era sinónimo de mau feitio para os antigos? E eu? Se este tipo era mal encarado eu não posso ser?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

domingo, 31 de outubro de 2010

Sarah

Hoje tive um sonho estranho. Sonhei que tinha uma namorada. Eu? Uma namorada. Já acordada deitei-me de barriga para cima na cama e fiquei cerca de uma hora a trazer o sonho de volta. E ele veio. Como um filme em câmara lenta. A minha namorada era bonita, de pele muito branca, peito pequeno e coxas médias. Era simpática e risonha. Tinha um olhar amoroso, apaixonado, ternurento. Dentro do sonho eu estava muito mais confusa do que ela, precisava muito mais dela do que ela de mim naquele momento.
O que me impressionou mais no sonho foram as formas, as formas dos nossos corpos e como elas me eram reconhecíveis. Eu conhecia o corpo dela como se ele fosse meu mas ele não era o meu corpo. O corpo dela era uma parte de mim mas ao mesmo tempo não era eu. Era um corpo amigo, feminino, apaziguador, terno. Era um corpo materno mas não era um corpo de mãe. Não era nada do qual eu tivesse nascido. Era uma parte que eu preciso mas que não é minha. Era um ombro amigo mas num corpo inteiro. Era um bom ouvinte mas num corpo inteiro. Era a minha ouvinte mas também era a minha amada. Era minha conselheira mas também era a quem eu aconselhava. 
Tinha cabelos longos e volumosos. Eram quentes e eu escondia-me por baixo deles. Vestiam-me, os cabelos dela. A pele era apessegada, de pelos finos e suaves. Pensei que não queria ver-me a fazer amor com uma mulher. Aliás, não sei fazer amor com uma mulher. Não fizemos amor como eu conheço o que é fazer amor mas depois deste sonho questionei-me quanto à minha forma de fazer amor e se já alguma vez fiz amor. Acho que com ela fiz amor mas não foi como eu tenho feito amor (fora dos sonhos). Senti que recebi amor e que dei. Senti que não havia tempo e que podia ficar ali ou voltar ali sempre que precisasse. Tive medo de precisar dela mais vezes. Senti que não sabia nada da vida. Que a forma como tenho visto os corpos dos outros tem sido académica, trabalhada, profissionalizada de mais. 
Weird!! Depois de lembrar o sonho achei estranho nunca ter sonhado com mulheres antes desta noite. Porque é que o corpo de uma mulher que é amada é mais roliço e inteiro? Estará ele mais cheio com coisas úteis? Como é que eu encho o meu assim?

Raina

Sorry, não consegui escrever até hoje. As crianças, as rotinas, os jantares. Tenho uma história. Andei a pensar como seria a minha contribuição no blog e finalmente tive uma ideia que me parece encaixar no que é pedido e naquilo que eu sou. Sabem que gosto de histórias. É assim que me vou conhecendo e que conheço o mundo. Sim, eu sei que são histórias assustadoras mas vá, os meus lados sombrio, decadente e de humor negro saem em jorro assim, em jeito de histórias de terror infantis. 1, 2, 3.
Conheci uma mulher arrepiante. De olhar dormente, torta no andar descaído à direita. A coluna era um S pronunciado. Apesar do olhar ausente e do tronco com forma de bicho, o que esta mulher tinha de embriagante eram as suas mãos. Ahhh coitada parece um aranhiço, disse a senhora bem composta e emprumada que esperava no corredor ao meu lado. Trouxe a mala para junto do peito como que a proteger as posses de um possível roubo. As mãos da Dona Aranhiço eram hipnotizantes. Não conseguia tirar os olhos daqueles dedos afiados, estáticos, empedrecidos pela doença e que apontavam para alguma coisa perdida, qualquer coisa que não volta nunca mais mas que a mulher procurava avidamente.
Os olhos azulados da velhice, transparentes pela ausência de afecto. Mais valia ter morrido, disse a senhora ao meu lado enquanto abraçava a mala com força. Aquelas mãos procuravam alguém. Um filho? Um marido? Será que algum homem soube amar aquelas mãos?
A Dona Aranhiço não falou. Eu esperava um grunhido, um riso amedrontador. Passe para cá todo o seu dinheiro ou Sabe onde fica o consultório do Dr. Coisinho? ou As mulheres que olham para os meus olhos nunca mais podem ter filhos. Mas nada. Ela era muito mais significativa para nós do que nós éramos para ela. A direiteza do corredor evidenciava a coluna torcida que a empurrava de um lado para o outro e, quase em queda, pé arrasta pé, a mulher fez o seu caminho.
Havia um periquito no fundo do corredor. Achei que a Dona Aranhiço iria ao seu encontro. Será que é ela que trata do pássaro engaiolado? Dois aprisionados entender-se-ao certamente. E com que mãos? Com as dela? Como? Se tenta enfiar a mão na gaiola deve ficar algum dedo de fora e como é que ela pega no pássaro? Será que o vai matar? Chamo o segurança? Socorro esta pobre velha quer matar o periquito. Talvez até fizesse um favor ao bicho.
Mas ela não vê o pássaro. A Dona Aranhiço já nem a ela se vê. Nem sabe que é gente. Procura alguém ou alguma coisa que perdeu há muito tempo. É uma ausência que lhe afunda o peito, fez-lhe uma cova funda à frente e entortou-lhe a coluna atrás. A sanidade? Procura-se a si própria. Será? Dona Aranhiço!? Dona Aranhiço, a senhora está aqui! Mas ela não se vê, naquele corpo tosco e endurecido ela já não se encontra.

Eva

Ontem o meu namorado disse-me que eu era parecida contigo Olivia. Na altura qualquer coisa mexeu dentro de mim mas não dei grande importância. Hoje acordei enraivecida, ressentida, a cerrar a boca e a maldizer os homens. Não sabia porquê. Questionei-me. Achei estranho não me apetecer falar com o meu namorado. Liguei os assuntos, tentei perceber se havia correlação. Não perdi muito tempo a perceber se fazia sentido sentir o que sentia. Acho que a culpa ataca-te mais a ti. Estou certa?
Conhecemo-nos desde a escola secundária. Sempre te achei bonita, energética, dinâmica, um bocadinho namoradeira de mais. Também não percebia muito bem porque é que nunca te apaixonavas. Eu apaixonava-me bastante mas era muito mais tímida do que tu. Eu amava e tu deixavas que te amassem. Já nos zangámos muitas vezes. Eu ofendia-te, dizias-me. Está certo. Eu ofendo pela participação e tu pela ausência dela.
Não era de ti que estava com raiva hoje de manhã. Isso já percebi. O que me inquietou foi o meu namorado dizer-me que me pareço com alguém que não sou. Mas não serei? Mas também sou eu, certo? Ou seja, ele viu em mim  partes de ti. Fiquei ofendida. Mas ele tem razão. Tem razão num aspecto: com homens que eu amo sou pouco frontal, falo pela metade, ofendo-me a dobrar, sou mais sensível, tenho muitos telhados de vidro. Achei estranho ele ver com tanta clareza um lado que eu acho ser muito menos meu. Depois pensei - mas porque é que ele não vê a Eva? Ele não vê a Eva como o meu pai não vê a Eva. Como é que o meu pai não vê a Eva? Sempre achei que o meu pai não queria ver a Eva...mas será que a Eva não queria ser vista pelo pai? E porque é que não queria? Será que nunca quis? Será que não podia?
Talvez a Eva tenha um papel menor quando quer ser amada, apreciada, querida, e, talvez até diga menos, fale menos, ofenda menos. Para ser mais amada... Infelizmente não tem funcionado nesta proporção. Errei na fórmula Olivia. E agora? Como é que posso ser vista sem me perder?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sarah

JAJAJDBA<JF<VKBH WARH FH BZBM Sei lá o que escrever sobre vínculo. Acho-me vinculada. Desvinculo-me quando quero. Sou vinculada a chocolate, café com natas, cremes para o corpo, e... não me ocorre mais nada mas estou certa que tenho outros vínculos. Podia dizer muitas merdiçes: vinculo-me a livros, vinho, filmes, bdjbafk mas é mentira. Gosto disso tudo mas se tivesse que passar sem passaria bem e acho que não morria por isso. Ás vezes preciso de me lembrar que sou um corpo. Sim, desvinculo-me facilmente do meu corpo. Não me acontece nada horroroso, não levito nem deprimo mas noto que posso passar uma semana sem falar com o meu corpo e só reparo nele quando ele se cansa. Faz sentido? Sim, já sei que sou a mais filosófica das cinco e que, por isso, contribuo no sentido em que levanto questões parvas, por vezes até aborrecidas e que não lembrariam ao diabo.
Pois, o corpo. Gosto de corpos, gosto de formas, gosto de texturas, peles, cheiros (menos), tamanhos. Gosto de me sentar em bancos de jardim ou em esplanadas e examinar corpos que passam. Formas de corpos que passam. Como se fossem só formas sem gentes por dentro. Sem conteúdo. Com conteúdo mas onde o conteúdo é só parte da forma e não se sobrepõe a ela. Faço-me entender? Será que o conteúdo faz a forma. Ah boa. Talvez sim. Pois é essa a minha maior pesquisa neste momento. Como é que o conteúdo influencia o corpo com forma. Acho que muito mas posso estar enganada. E se eu mudar a forma do corpo o conteúdo ou a perspectiva sobre ele também são alterados. E a perspectiva do próprio corpo e dos outros corpos que se cruzam com esse.
O movimento da forma também me interessa. Como é que o conteúdo escolhe mover a forma. Faz sentido? Como é que a forma leva o conteúdo. Quem leva quem afinal? Quem é que me carrega? Eu vou ou sou levada. Talvez dependa de corpo para corpo. Eu acho que às vezes vou e outras sou levada. Outras vezes não vou. E porque é que não vou? Escolho não ir ou não me levam?nahahudigavkj
Et voilá. E assim passo os meus dias e noites a pesquisar (dentro e fora de mim) o que é isto de ser corpo e não ter corpo. Bang bang.

vínculo#1

Joana

Este é o meu pai.

Esta sou eu e o meu filho.